sexta-feira, 3 de abril de 2020

Em Defesa do Meu Chimarrão Carioca

Sou carioca. Morei em Bagé/RS quando bem pequena. Moro no RS desde 2003. Tenho marido e filho gaúchos (que não fazem chimarrão). 

Essas são minhas credenciais pra começar dizendo que o chimarrão faz parte de minha vida, antes mesmo de fazer. Meus pais levaram a cuia e bomba na mala, ao voltarem ao Rio, mas não sabia bem pra que aquilo servia.

Já nas minhas primeiras visitas ao RS (em 2001), me arrisquei (e passei muita vergonha) no chima dos amigos. Atualmente, há muito espaço para o chimarrão na minha rotina, tanto no trabalho quanto em casa. Antes de iniciar minhas atividades docentes, tive contato com o maravilhoso livro de Carlos Urbim "O Negrinho do Pastoreio e Outras Lendas Gaúchas", no qual é apresentada uma versão da lenda da Erva-Mate, de origem indígena.

Primeiros instrumentos para o Chimarrão (acervo pessoal)

Técnica de secagem da erva-mate (acervo pessoal)

Muitos anos depois, em visita ao Parque Gaúcho (Gramado/RS), tive conhecimento de outras relações entre o chimarrão e a cultura indígena no sul na América do Sul. Não é só no Brasil (ou no Rio Grande Sul) que temos Gaúchos. Para quem é carioca, há a impressão equivocada que, abaixo de São Paulo, é tudo gaúcho (?!). Não é. Mas a cultura gaúcha, da qual o chimarrão é parte, tem relação com vários povos indígenas do Sul (indico episódio sobre o tema, do canal Buenas Ideias). 

O fato de eu apontar tais elementos da cultura gaúcha, não significa que eu não saiba que houve uma reinvenção da narrativa a partir da transformação cultural da "Guerra dos Farrapos" para uma conveniente "Revolução Farroupilha", que está muito impregnada no cotidiano dos gaúchos, pelos CTGs das grandes e pequenas cidades. Tá bom, parei.

Voltando ao chimarrão, como representação da interculturalidade do povo gaúcho. Há duas maneiras de incluí-lo no nosso cotidiano: como uma roda social (minha mãe dizia que era um nojo aquela bomba passando de boca em boca) ou como um momento solitário de reflexão (mais de acordo com a lenda apresentada por Urbim).

Pois bem, prefiro as duas formas! No trabalho, em geral, a roda gira com vários pequenos detalhes que favorecem as relações entre pessoas que dividem fins profissionais. Digo até que, muitas vezes, eu que começo a roda! Houve vezes em que não tinha chimarrão porque contaram que eu levaria (veja bem!). Além disso, já fui muito acusada de "dormir com a cuia na mão" (fiquem com a interpretação do Guri de Uruguaiana sobre os mandamentos do chimarrão). Tudo intriga da oposição.

Por tudo isso, pra mim, chimarrão sempre é um ritual culinário e, como tal, está cheio de significados. Não quero defender um chimarrão qualquer. 

Começa por uma boa cuia, quanto mais curtida, melhor, e por uma bomba de qualidade (não muito grande, de inox). Passa pela qualidade da erva-mate (de preferência moída da grossa) e pela temperatura da água (nem fervendo, nem morna). Como na educação, os elementos fazem diferença, mas o mais importante é o processo.

Meu jeito "Carioca" de preparar o Chimarrão (arquivo pessoal)

A despeito da minha "pedagogia" que vive caindo da bomba do chimarrão, esses dias em casa me colocam em uma postura reflexiva. Nada melhor do que um mate amargo (mas com toque de ervas aromáticas) para comungar com minhas ideias pedagógicas.