domingo, 24 de maio de 2020

Resolvendo um Hiato Culinário com Bolo de Aipim

Um hiato é um encontro de duas vogais em uma palavra, mas que ocupam sílabas diferentes. No sentido figurado, representa uma lacuna, um espaço que fica entre duas coisas juntas.

Mais ou menos como eu e minha cozinha. Ficamos semanas há alguns passos separadas. Aqui em casa a cozinha tem dois espaços: a parte da mesa e a parte do fogão/geladeira/pia, separadas por um balcão. Pois bem, nessas semanas até olhei para o lado de lá, mas fiquei só do lado de cá, com a culinária do marido.

Foi um hiato culinário, estive resistindo ao desejo - e necessidade - de cozinhar, pois não gosto de fazê-lo levianamente, com as coisas mais ou menos no lugar. Há todo um ritual para começar, desenvolver e finalizar o processo culinário. Ao menos pra mim.

De fato, nada se resolveu. Apenas vim com tempo para a cozinha, a ponto de organizar o lado de lá pra me receber. Foram dias de flerte. Em uma noite de estudo na mesa grande, não resisti. Havia música, havia vinho, havia aipim congelado! As condições estavam favoráveis. E foi uma ótima maneira de resolver esse hiato culinário.

Preciso falar dessa receita da minha mãe (não sei se é dela, mas aprendi com ela). Pensem em um bolo de aipim sem aquela textura gosmenta? Cresci comendo esse bolo, com a raiz e o fruto do meu país, que me remete ao nordeste (dos meus pais) e aos indígenas que aprenderam a manipular a mandioca. Amigos do Rio Grande do Sul acham esse bolo particularmente interessante, em alguns círculos, ele virou oficial.


Mas faço esse bolo de uma maneira diferente de cada vez. Nesse caso, eu mudei a receita (desculpe, mãe!). Usei biomassa de banana verde (por isso a cor) e côco queimado (em cima). 

O segredo está no tratamento do aipim: deve-se descascá-lo, congelá-lo e descongelá-lo antes de qualquer coisa, mesmo que sirva para o cozimento, este processo deixa o aipim "molengo" e propício para ser triturado/ralado. Muito da minha animação veio do marido ter se ocupado dessa parte (esse é um dos poucos bolos que ele gosta).


Uso um processador para triturar o aipim, mas pode ser ralado.

Com o aipim preparado, o desenvolvimento da receita é muito simples. Como usei biomassa, fiz uma base que uso em várias receitas de bolo: um potinho de biomassa (eu preparo com banana verde, representa uns 200 g), ovos inteiros (usei 5, pois era 1 kg de aipim) e açúcar (usei demerada, uma caneca cheia). Essa base pode ser usada em qualquer bolo, acrescentando-se outros ingredientes. Na receita original, usa-se óleo vegetal (1 xícara) ou margarina (100g). O resto é igual.

Deixo bater até ficar esse creme, bem homogêneo.


Juntei o creme no aipim, com 1 pacote de côco ralado (branco), 200 ml de leite de côco e 1/2 xícara de farinha de trigo. Misturei tudo com um garfo (bem devagar, pois ficou muito cheio) e depois acrescentei 1 colher de fermento em pó (químico). Pode ser usado leite normal também.



Após untar e polvilhar a forma, com o forno já quente, joguei o côco ralado queimado por cima. Esse bolo leva uns 35 - 40 min para assar, em forno médio. Ele não escurece muito na parte de cima, fica levemente dourado, cuidar para não assar demais. Ele fica firme e macio, sabemos que está pronto do jeito tradicional: com um palito saindo limpo.

Se há espaço entre duas coisas juntas, podemos diminuí-lo com pequenos passos. Olhar com cuidado e respeitar o momento é fundamental. Além disso, vamos construindo aos poucos as condições favoráveis, com a ajuda de quem nos ama.