segunda-feira, 30 de março de 2020

Retrospectiva Culinária da "Quarentena"

Depois de um tempo sem visitar muito a cozinha de casa, ter esse tempo trouxe uma certa compulsão. Passei a semana fazendo mais comida do que a fome de todos aguentava. Agora, olho em retrospectiva e vejo como o exagero é marca do nosso tempo. Nos primeiros dias fiz muito, depois não fiz nada. Parece que equilibra, mas não é assim que funciona.

Comecei com um Pudim de Leite, atendendo ao gosto do Filipe.


Faço pudim de leite condensado há anos, porém andei "inovando", incluindo banana, pinhão, coco... o que desagradou muito meu filho Filipe. Pra ele, tem que ser pudim "normal", no máximo um toque de baunilha.

Vinha um pouco contrariada com o pudim feito no microondas, não me parecia a mesma coisa na textura ou na aparência. Minha mãe passou a fazer o pudim na panela de pressão, e fica muito bom, mas como não tenho forma para colocar na panela de pressão, uso minha Wok com tampa, que cabe bem a minha forma, e tem ficado ótimo.

Receita: 

Começo pela calda com 1 e 1/2 xícara de açúcar (uso demerara). Após caramelar na frigideira, coloco meio copo de água. A calda fica grossa, porém maleável, melhor de trabalhar na forma. É bom deixar esfriar um pouco.
Para a massa, coloco tudo no liquidificador - 1 leite condensado + 1 leite de coco (200 ml) + 2 copos de leite (500 ml) + 3 ovos inteiros + 1 colher de amido de milho + 1 colher de baunilha. 
Coma forma pronta e a água fervendo na wok, bato a massa, despejo na forma caramelada e cubro com papel alumínio.
Só "esquecer" por uns 30 min no banho maria. Sugiro apagar o fogo quando estiver firme (pode usar um palito) e deixar esfriando com a panela tampada. Depois é só desenformar e geladeira.


No dia seguinte, fiz um Empadão de Camarão, já que meu marido tinha comprado camarão, o que não é comum.


Essa receita é clássica com recheio de frango, mas já fiz com muitos recheios diferentes. O importante é ter alguma cremosidade (molho grosso ou requeijão ou creme de leite). 

Receita:

Primeiro sempre o recheio. Nesse caso, o camarão já estava limpo e descongelado. Refoguei com alho, cebola e tomate, juntei molho de tomate, sal e pimenta. Ficou um molho bem grosso e coloquei creme de leite e mussarela ralada (não tinha mais amido de milho, usaria uma colher). É importante deixar esfriar um pouco para montar a torta.
A massa é padrão: 3 xícaras de farinha de trigo + 1 colher de fermento químico em pó + 1 ovo inteiro e 1 gema + 3 colheres de margarina + sal. Junto tudo com uma colher, usando principalmente as costas da colher para amassar e depois vou trabalhando a massa com as mãos. É possível que precise um pouco mais de farinha ou um pouco mais de margarina, para a massa ficar macia, nem engordurada demais, nem quebradiça.
Não costumo deixar descansar a massa, mas pode-se deixar. Vou forrando a forma, pela borda em direção ao fundo, evitando que fique massa acumulada. Após forrar a forma toda, furo o fundo com um garfo e coloco o recheio morno. Dobro a massa da lateral, para iniciar a cobertura (tampa).Vou pegando pedaços da massa e amassando na palma das mãos, posiciono os pedaços até cobrir todo o recheio. Para finalizar, pincelo uma gema com um pouco de café, assim uniformiza a cobertura feita em pedaços.
O empadão assa em forno pré-aquecido, por uns 40 min. A cobertura fica dourada e o cheiro se espalha pela casa toda. Melhor cortar depois de descansar um pouco, o recheio quente tende a ficar escorrido.

 No outro dia, a janta foi Pizza Caseira, para aproveitar o recheio de camarão que sobrou.


 


Essa pizza faz parte do meu repertório. Faço a massa há muito tempo e já ensinei para muita gente. Já publiquei a receita antes (AQUI)

Basicamente é: 2 xícaras de farinha de trigo + 2 colheres de fermento biológico seco + sal  + 1 colher de açúcar + 1 ovo inteiro + 2 colheres de margarina + 1 colher de óleo + 1 copo de leite. Misturar tudo, acrescentar mais farinha até a massa desgrudar das mãos. Trabalhar a massa em uma superfície lisa. Deixar crescer. Abrir a massa. 

Além da pizza de camarão, fiz com calabreza e ovo cozido (Pedro não come camarão) e uma doce com chocolate, amendoim torrado e moído e leite condensado. Enfim, basicamente qualquer coisa que tem na geladeira, vira o recheio de uma pizza.

Tinha colhido 3 limões sicilianos no meu pátio, como o pé ainda é novo e não tenho esses limões sempre, decidi fazer algo especial, uma Torta Mousse de Limão Siciliano.




Não fiz essa torta como sempre faço. Me inspirei na receita da torta de maracujá e fiz uma mousse de limão para recheio. Essa é minha torta preferida de todas e o limão siciliano deu um toque especial.

Receita:

Massa que sempre faço: 2 xícaras de farinha de trigo + 1 colher de fermento em pó químico + 1/2 xícara de açúcar + 3 colheres de margarina + 1 ovo inteiro. Misturar tudo com uma colher. Amassar com as mãos. Forrar forma de aro removível. Furar o fundo da massa. Assar em forno médio, cuidar para não escurecer muito.

Para a mousse de limão, usei: 1 e 1/2 caixa de leite condensado + 2 caixas de creme de leite + suco de 3 limões (grandes) + 1 sachê de gelatina sem sabor. Antes de tudo, raspei a casca dos limões, para o toque final. Esse recheio não vai ao fogo. Coloquei tudo no liquidificador, menos a gelatina, que foi preparada conforme o rótulo (hidratação e microondas). Após bater um pouco, acrescentei a gelatina e bati mais. A mousse fica aerada, mas firme.


Com a massa pronta e fria, coloquei a mousse ainda cremosa, salpiquei as raspas da casca dos limões e geladeira. Ficou melhor no outro dia, mas ainda sobrou massa para fazer uns biscoitinhos.

Pra terminar a semana de culinária, faltou um Bolo de Chocolate, para o Pedro.


Meu filho Pedro só comeu a pizza de calabreza de toda essa lista. É uma receita da minha mãe, que eu nunca consigo fazer igual, mas ele (e o Filipe) gostou.

Receita:

2 xícaras de farinha de trigo + 1 xícara de açúcar + 2 colheres de margarina + 1 xícara de achocolatado + 3 ovos inteiros + água + 1 colher de fermento em pó químico. Misturo os secos, sem o fermento e a margarina. Os ovos vão em uma caneca, completando-a com água. Junto tudo na batedeira ao mesmo tempo e bato em velocidade média até ficar bem homogêneo. No final, o fermento. Asso em forno pré-aquecido por 30 min, fica bem cheiroso.
Fiz uma cobertura com leite condensado, leite (só um pouco, talvez 1/3 de xícara), baunilha e castanha de caju triturada (porque eu tinha em casa). Misturei tudo em uma panela e levei ao fogo brando até cozinhar. Joguei no bolo ainda quente e salpiquei um pouco de castanha por cima.

Ufa! Foi bastante coisa. Foi extremamente prazeroso fazer esses pratos e ver minha família se deliciando. Não sobrou nada de nada. Além de tudo que está nessa lista de retrospectiva, também fiz feijão, legumes de vários jeitos e a eterna briga do arroz branco/arroz integral, mas aí já é a vida prosaica.

Mesmo que tenha exagerado, acho que eu precisava dessas sessões de culinarioterapia em sequência. Depois disso, meio que pirei com as noticias e ainda não voltei a cozinhar, nem o básico. É muito angustiante não poder planejar o depois, mas não dá pra se esconder, seja fazendo comida ou escrevendo, a realidade bate a nossa porta e precisamos lidar com ela, da melhor maneira possível.

Ainda não sei bem o que vou fazer. Sei, no entanto, que quero seguir cozinhando e escrevendo. Quem sabe me torno uma pessoa melhor nesse processo?


Observações:

Fui liberada de ir ao trabalho em 23/03/20, com o fechamento das escolas. Dessa forma, estou fazem 10 dias que não saio de casa. Tenho o privilégio de ter um espaço aberto, com muito verde, além disso, há muitas janelas, o que minimiza a sensação de clausura.

Devo dizer que passei 27 dias (de férias) com a minha mãe, no Rio de Janeiro. Cozinhei bastante por lá, mas é diferente de cozinha "do meu jeito", na minha casa. Além disso, na rotina de trabalho (atuo na assessoria pedagógica de uma rede com 86 escolas) e faculdade (faço mestrado desde 2018), tem me sobrado muito pouco tempo para cozinhar.


Cozinhar - e escrever - para manter a sanidade

De tempos em tempos, é preciso parar tudo para o próximo passo. Posso dizer que não fiz muito isso nos últimos anos. Penso que só fui seguindo. Talvez por isso, hoje me percebo mais perdida do que o momento permite.

Ok, estamos em uma pandemia. O fim de semana acaba e a rotina precisa ser outra. Ficar em casa nessa semana me mostra que há escolhas que precisam ser revistas. Como terei tempo, acho prudente assumir o processo com mais tranquilidade. Não preciso de respostas urgentes, só preciso manter a sanidade enquanto tudo parece sem sentido.

Quanto mais mergulho nos contornos que os diversos aplicativos me oferecem, mais decido que é coerente me manter na linguagem que domino. Quanto mais fico em casa, mais me sinto em visita. Por isso, escrevo e por isso cozinho. Quero me sentir eu mesma, seja lá o que isso signifique.

Escrevo, porque é tempo de ponderar as palavras. Há muita informação, de todos os lados, com verdades mais ou menos verdadeiras. Viviane Mosé aponta que sempre há um fundo de verdade nas Fake News, por isso, no exercício de relativizar as verdades, leio os diferentes pontos de interpretação que me chegam. Mas o Brasil ainda não chegou na pós-modernidade: o desmanchar das polaridades briga com a verdade que se constrói na oposição. Quer coisa mais louca do que defender uma posição negando a posição do outro? É preciso cuidar para que as palavras não ataquem, ao tentar se defender. É preciso refletir. O que estou defendendo mesmo?

Então, cozinho. Porque, no desacelerar da rotina, as relações familiares exigem materialidade. Uma casa organizada, limpa, confortável para nossas necessidades. E, um motivo de fugir da impotência que paira sobre nós, a fome nossa de cada dia! Mas não cozinho para saciar a fome da minha família. Cozinho, porque preciso ver que há um dia após o outro; porque preciso estocar prazer para o futuro; porque não posso parar de viver enquanto a morte não vem. Felizmente tenho minha família nesses dias tristes! Há espaço para muitos reflexões ao se preparar  um bolo. Ao separar os ingredientes, medir cada um, misturá-los no momento certo... cada etapa do processo redimensiona o tempo e faz do produto final, mais do que um alimento para o físico.

Tenho muito o que fazer em casa além do meu trabalho, que não parou totalmente. Mas cada notícia me impacta, deixando a vida prosaica totalmente sem sentido. Como a humanidade não está ao meu alcance, que eu possa ressignificar os dias iguais que vivi, nesses dias atípicos de distanciamento físico (como diz Eliane Brum). 

Ainda há muito o que escrever e cozinhar, que eu encontre sanidade nessa parada forçada, e nos próximos passos, de acordo com o que a vida exigir.