segunda-feira, 30 de março de 2020

Cozinhar - e escrever - para manter a sanidade

De tempos em tempos, é preciso parar tudo para o próximo passo. Posso dizer que não fiz muito isso nos últimos anos. Penso que só fui seguindo. Talvez por isso, hoje me percebo mais perdida do que o momento permite.

Ok, estamos em uma pandemia. O fim de semana acaba e a rotina precisa ser outra. Ficar em casa nessa semana me mostra que há escolhas que precisam ser revistas. Como terei tempo, acho prudente assumir o processo com mais tranquilidade. Não preciso de respostas urgentes, só preciso manter a sanidade enquanto tudo parece sem sentido.

Quanto mais mergulho nos contornos que os diversos aplicativos me oferecem, mais decido que é coerente me manter na linguagem que domino. Quanto mais fico em casa, mais me sinto em visita. Por isso, escrevo e por isso cozinho. Quero me sentir eu mesma, seja lá o que isso signifique.

Escrevo, porque é tempo de ponderar as palavras. Há muita informação, de todos os lados, com verdades mais ou menos verdadeiras. Viviane Mosé aponta que sempre há um fundo de verdade nas Fake News, por isso, no exercício de relativizar as verdades, leio os diferentes pontos de interpretação que me chegam. Mas o Brasil ainda não chegou na pós-modernidade: o desmanchar das polaridades briga com a verdade que se constrói na oposição. Quer coisa mais louca do que defender uma posição negando a posição do outro? É preciso cuidar para que as palavras não ataquem, ao tentar se defender. É preciso refletir. O que estou defendendo mesmo?

Então, cozinho. Porque, no desacelerar da rotina, as relações familiares exigem materialidade. Uma casa organizada, limpa, confortável para nossas necessidades. E, um motivo de fugir da impotência que paira sobre nós, a fome nossa de cada dia! Mas não cozinho para saciar a fome da minha família. Cozinho, porque preciso ver que há um dia após o outro; porque preciso estocar prazer para o futuro; porque não posso parar de viver enquanto a morte não vem. Felizmente tenho minha família nesses dias tristes! Há espaço para muitos reflexões ao se preparar  um bolo. Ao separar os ingredientes, medir cada um, misturá-los no momento certo... cada etapa do processo redimensiona o tempo e faz do produto final, mais do que um alimento para o físico.

Tenho muito o que fazer em casa além do meu trabalho, que não parou totalmente. Mas cada notícia me impacta, deixando a vida prosaica totalmente sem sentido. Como a humanidade não está ao meu alcance, que eu possa ressignificar os dias iguais que vivi, nesses dias atípicos de distanciamento físico (como diz Eliane Brum). 

Ainda há muito o que escrever e cozinhar, que eu encontre sanidade nessa parada forçada, e nos próximos passos, de acordo com o que a vida exigir.




Um comentário:

  1. Que legal, Dani! É vc sendo vc! Ressigmificar os dias para não paralisar é um bom exercício!

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